Governo mantém suspensão de pagamento por “venda do olho”
São Paulo — O projeto World ID, que levou milhares de pessoas a vender a própria íris em troca de moedas virtuais (criptoativos), suspendeu as atividades no Brasil nesta terça-feira (11/2), após uma decisão do Conselho Diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). O serviço, que ficou popularmente conhecido como “venda do olho”, atraiu mais de 400 mil pessoas em São Paulo.
O ANPD indeferiu o recurso administrativo apresentado pela empresa Tools For Humanity (TFH), responsável pelo projeto. A decisão, publicada nesta terça no Diário Oficial da União, mantém a suspensão da concessão de compensação financeira, seja em criptomoeda ou em qualquer outro formato, para identidades digitais criadas pela coleta de íris de titulares de dados pessoais no Brasil.
No recurso, a empresa havia solicitado prazo adicional de 45 dias para implementar mudanças no aplicativo e interromper a oferta de compensação financeira, mas o pedido foi negado. O Conselho Diretor entendeu que a suspensão do pagamento pode ser realizada por outros meios, incluindo o adiamento dos agendamentos, até que o ajuste no aplicativo seja efetuado.
Entenda o porquê da decisão
No texto, a relatora do caso, Miriam Wimmer, destacou que a compensação financeira oferecida pela empresa configura uma interferência indevida na livre manifestação de vontade dos titulares de dados.
Ainda de acordo com o texto, a fim de atender a necessidades financeiras imediatas, o titular muitas vezes considera o atrativo financeiro como um fator determinante para autorizar a coleta de sua íris, ignorando os riscos envolvidos e a própria finalidade da coleta.
Por isso, Wimmer ressaltou que a atuação da ANPD é essencial para assegurar a autodeterminação informativa dos titulares e garantir o direito de manifestação livre, informada e inequívoca em relação ao tratamento de seus dados pessoais.
A TFH tem 10 dias úteis, contados a partir da notificação, para apresentar uma declaração oficial assinada por um responsável legal, atestando a suspensão da compensação financeira.
No entanto, de acordo com a decisão, a suspensão da compensação financeira associada à coleta de íris deverá ser realizada imediatamente após a intimação.
Em nota ao Metrópoles, a empresa afirmou que respeita a decisão da ANPD. “Como a ANPD está ciente, será necessário tempo para cumprir com a sua ordem. Para permitir que a World conclua as mudanças em coordenação com a ANPD e garanta conformidade durante esse processo, estamos voluntariamente e temporariamente pausando o serviço de verificações”, explicou.
“Os espaços físicos da World permanecerão abertos para fornecer educação e informações ao público e pedimos desculpas por qualquer inconveniente aos que desejavam se juntar à World agora”, diz a nota.
Nessa segunda-feira (10/2), em um posto da World no Shopping Center 3, na Avenida Paulista, apenas três pessoas passaram pela loja no período de uma hora, e somente para colher informações. Para efeito de comparação, 20 dias antes, na segunda-feira (20/1), 47 pessoas tiveram suas íris lidas em apenas uma hora.
“A World segue seu compromisso em cumprir com as leis nos mercados onde opera e continuará trabalhando para garantir transparência e entendimento público desse serviço essencial, que busca aumentar a segurança e confiança online na era da IA.”
“Venda do olho”
A iniciativa World, que tem a Tools for Humanity (ferramentas para a humanidade) como desenvolvedora do projeto de código aberto, tem participação do bilionário Sam Altman, fundador da Open AI, do ChatGPT.
Segundo os responsáveis, trata-se de uma iniciativa para provar que determinada pessoa é, de fato, um ser humano, e não um robô, ao usar a internet. Isso se daria pela leitura presencial da íris, que é um dado único, como as digitais, aumentando a segurança na internet.
O projeto já foi suspenso em países como Espanha e Alemanha, que têm dúvidas sobre as reais intenções da empresa e a capacidade de uma pessoa revogar a permissão para uso de suas informações, caso se arrependa.
Para especialistas, não está suficientemente claro como a empresa privada vai tratar os dados que foram coletados, fora os problemas éticos que envolvem, por exemplo, a dificuldade de uma pessoa ter informação suficiente para decidir a respeito do compartilhamento ou não dessas informações.