Desconto no salário para pagar dívida pode virar regra? Entenda
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São Paulo — Uma decisão da 41ª Vara Cível, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), determinou, em janeiro deste ano, a penhora de 10% do salário de um devedor para o pagamento de uma dívida de R$ 239.737,20. A pendência está em trâmite desde 2016.
Na legislação brasileira, há uma regra geral de impenhorabilidade de vencimentos. A aplicação contrária é admitida expressamente apenas em situações que envolvam pensão alimentícia ou quando a dívida exceder 50 salários mínimos mensais.
No caso específico, o juiz interpretou que a medida era proporcional e necessária, dado o alto valor da dívida e a ausência de outros bens passíveis de penhora. Para entender detalhadamente em quais casos o entendimento pode ser aplicado, o Metrópoles conversou com especialistas.
De acordo com Raphael Donato, sócio da área de direito civil do TAGD Advogados, já existe significativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a temática. “Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade de salário, de forma a alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito”, explica. “O desconto pode ser aplicado nos mais variados casos cíveis, preservado a subsistência digna do devedor e de sua família. É possível identificar decisões de diversos tribunais com penhora de valores entre 10% e 30% do salário”.
Segundo o advogado Vanderlei Garcia Jr, doutor em direito civil pela Universidade de São Paulo (USP), a sentença, proferida em 20 de janeiro de 2025, pode evoluir para uma atualização mais consolidada, mas com restrições e cautela. “Ainda que decisões nesse sentido não sejam comuns no Judiciário, já há alguns outros precedentes nos tribunais admitindo essa possibilidade, desde que respeitada um limite máximo de bloqueio e que preserve a dignidade do devedor. Esse tipo de entendimento tem sido aplicado em situações em que há evidências de ocultação ou quando a dívida decorre de fraude, por exemplo”, detalha o sócio do VGJr Advogados Associados.
De acordo com ele, a tendência é que o Judiciário analise caso a caso. O especialista menciona que a penhora pode ser determinada em situações como: dívidas trabalhistas, créditos não alimentares, quando há comprovação de que a medida não compromete o sustento do devedor, casos de má-fé ou ocultação patrimonial.
“É essencial que haja critérios claros para garantir que esse tipo de penhora não se torne regra. A possibilidade de penhora de salários, se mal utilizada, pode gerar um efeito social indesejado, aumentando a vulnerabilidade econômica das famílias individualizadas”, complementa Garcia Jr.
No mesmo sentido, Gabriela Giacomin, sócia da área trabalhista da Simões Ribeiro Advogados, destaca que há decisões, inclusive, que defendem a possibilidade de penhora de proventos de aposentadoria.
“O Código de Processo Civil de 2015 permitiu a penhora de salários parcialmente em situações em que os executados deixem de cumprir obrigações trabalhistas de natureza salarial, incidindo os preceitos de valorização do trabalho humano e o princípio da efetividade das decisões judiciais e da razoabilidade”, especifica.
Entenda a decisão para pagamento de dívida
Na decisão da 41ª Vara Cível, a dívida trata-se de ação de execução de título extrajudicial.
A primeira tentativa de penhora online foi realizada em 28 de junho de 2018, com retorno parcialmente positivo da constrição.
Em 6 de março de 2021, foram realizadas pesquisas Renajud e Infojud, que não apontaram bens passíveis à penhora. Em 31 de março, foi realizada pesquisa de imóveis e o resultado também foi infrutífero.
Com a busca pelo crédito, foi requerido o envio de ofício aos bancos para que apresentassem a movimentação financeira dos devedores, que também teve resultado infrutífero.
Em 2 de setembro de 2022, foi requerida nova tentativa de penhora online, que retornou parcialmente positiva.
A pesquisa Infojud foi renovada e foi realizada a pesquisa Prevjud, para verificar a declaração de imposto de renda dos devedores. A documentação apontou que um dos executados possuía um salário de mais de R$ 10 mil.
Como não houve interesse da parte executada em celebrar acordo, oferecer bens ou satisfazer o débito, foi requerida ao juízo a penhora salarial com a devida expedição ao empregador do executado.
A ordem determinou que a empregadora do devedor deposite mensalmente 10% dos rendimentos até a quitação total da dívida ou nova determinação judicial.
Na decisão, o juiz ainda destacou que a medida não viola a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), já que o acesso às informações financeiras do devedor foi realizado dentro das normas processuais aplicáveis.