Chefe dos batalhões de Choque questiona se câmeras corporais “mentem”

0

São Paulo — O chefe do Comando de Policiamento de Choque da PM de São Paulo, Valmor Racorti, publicou artigo questionando a eficácia das imagens das câmeras corporais como prova do que acontece durante um tiroteio. Um dos argumentos usados pelo coronel é o de que policiais agem sob estresse, instintivamente, enquanto quem vê os vídeos faz uma análise racional, o que poderia levar “à condenação imediata e, quase certa, injusta de policiais”.

O militar também respondeu por escrito a uma série de perguntas enviadas pelo Metrópoles a partir do artigo que escreveu e disse que “não rejeita o uso de câmeras corporais, mas busca compreender sua eficácia real e o melhor uso operacional dessa tecnologia”. Para Racorti, estudos internacionais demonstrariam que as câmeras teriam “campo de visão limitado” e também não registrariam as sensações dos policiais em “tomada de decisão sob alto estresse”.

6 imagens
1 de 6

Patrulhamento da PM na Baixada Santista, no litoral de São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

2 de 6

Patrulhamento da PM na Baixada Santista, no litoral de São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

3 de 6

Patrulhamento da PM na Baixada Santista, no litoral de São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

4 de 6

Patrulhamento da PM na Baixada Santista, no litoral de São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

5 de 6

Patrulhamento da PM na Baixada Santista, no litoral de São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

6 de 6

Patrulhamento da PM na Baixada Santista, no litoral de São Paulo

William Cardoso/Metrópoles

Desde o início da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), as câmeras corporais têm sido alvo de críticas por parte de integrantes da cúpula da segurança pública estadual, incluindo o secretário Guilherme Derrite, que se recusaram a adotá-las por padrão em operações policiais como a Escudo e Verão, que terminaram com mais de cem mortos, entre julho de 2023 e abril de 2024, na Baixada Santista.

Números oficiais mostram que, após a implementação do programa de câmeras, no fim da década passada, houve redução imediata e significativa no número de mortos pela PM em São Paulo. Nos últimos dois anos, os números voltaram a crescer, em meio ao discurso contrário às câmeras por parte de autoridades.

As câmeras seguem como aliadas no esclarecimento dos casos, segundo responsáveis pelo controle externo da PM. Nesta última semana, como exemplo, um capitão e um cabo das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) foram denunciados pela execução, por vingança, de um inocente cego durante a Operação Verão. Os dois estavam com as câmeras desligadas, por falta de bateria, segundo alegaram, mas os equipamentos de colegas da guarnição flagraram estampidos dos disparos e detalhes que fundamentaram a denúncia.

PMs da Rota em frente à casa onde, segundo o MPSP, executaram duas pessoas durante a Operação Verão

 

As câmeras foram tema também do Encontro Anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), no Recife (PE), em agosto do ano passado, com participação, entre outros, de Michel Moore, ex-chefe de Polícia de Los Angeles e membro da Associação Internacional dos Chefes de Polícia (IACP), que defendeu o uso desse tipo de equipamento, dizendo que as imagens são prova de que o policial segue a lei.

Artigo

“Câmeras corporais mentem? Evidências inéditas sobre limitações tecnológicas e a percepção humana” foi publicado por Racorti no último dia 7 de janeiro no site “Velho General”, que reúne artigos de militares e pessoas interessadas em temas como segurança e defesa nacional.

Racorti comanda atualmente o CPChoq, que reúne justamente as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e o Comando de Operações Especiais (COE), entre outras tropas de elite da PM paulista. O coronel começou a escrever para a página “Velho General” em 2022 e tem outros 15 artigos, entre eles, um que trata da influência do estresse e das emoções de um policial na hora de depor na Justiça sobre um fato no qual esteve envolvido.

Sobre as câmeras, Racorti escreveu no artigo que “policiais decidem em milissegundos, enquanto revisores de vídeos têm minutos ou horas para avaliar detalhes que o policial não pôde considerar no momento”. “Quase se assemelharia ao crítico de futebol, que do conforto de sua cabine ou da arquibancada, nunca errou um pênalti. Afinal, tem o crítico a seu favor o conforto de que o jogador, em campo, não dispõe”, afirmou o responsável pelas tropas especiais da PM paulista.

O coronel também disse que as câmeras “nem sempre fornecem uma visão isenta de erros no julgamento feito por alguém não diretamente envolvido no calor do momento” e critica a exibição das imagens pela imprensa.

“A divulgação isolada de imagens pelas mídias, sem considerar o contexto completo e os fatores envolvidos, pode levar à condenação imediata e, quase certa, injusta de policiais, minando tanto a confiança da comunidade na polícia quanto a equidade nas investigações”.

Racorti defendeu no artigo que a revisão das imagens seja feita em “condições semelhantes às vividas pelos policiais durante os incidentes”. “Gravações devem ser visualizadas em tempo real, sem câmera lenta, quadros congelados ou outros aprimoramentos que distorçam a percepção dos eventos em si”, disse. “Essa prática permite uma avaliação mais próxima da realidade enfrentada, destacando também as limitações de quem analisa os vídeos sem estar presente na ocorrência. Lembre-se, por analogia, que da arquibancada ninguém erra um pênalti, mas em campo sim.”

O coronel disse que ignorar limitações das câmeras corporais e exibir as imagens como “reproduções exatas do que os policiais sabiam ou deveriam saber” pode “perpetuar desinformação, minando a confiança da comunidade, da justiça processual e da integridade das avaliações.”

Na entrevista, por escrito, Racorti responde, entre outras, se só policiais podem analisar as ações de seus colegas ou se o estresse não serviria também de atenuante para um motorista em uma briga de trânsito, caso seja uma justificativa aceita em situações que envolvam PMs. Por fim, o coronel responde também se seus apontamentos não são apenas uma forma de amenizar o julgamento sobre excessos cometidos por PMs.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *