Abusos em série da PM de SP irritam Tarcísio e desgastam Derrite
São Paulo — A série de abusos envolvendo agentes da Polícia Militar (PM) de São Paulo, cujo mais recente episódio foi o do policial flagrado jogando um jovem rendido de uma ponte na zona sul da capital, irritou o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e desgastou o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite (PL).
A avaliação de políticos ligados ao grupo de Tarcísio é que o conjunto de casos monopolizando o noticiário do governo tem potencial para provocar danos à imagem do governador, que está prestes a completar a metade de seu mandato.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) determinou nessa terça-feira (3/12) o afastamento imediato de 13 policiais militares envolvidos no caso em que um agente da corporação jogou um homem em um córrego do alto de uma ponte em Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo (veja vídeo abaixo).
Veja:
Em meio à grande repercussão do caso, tanto Tarcísio como Derrite condenaram, rapidamente, a atuação dos policiais e falaram em punições severas. Na tarde de terça, o governador chamou o comandante-geral da PM, coronel Cássio Araújo, para uma reunião emergencial no Palácio dos Bandeirantes. Em viagem a Brasília, o secretário da Segurança Pública não participou.
Nas redes sociais, o governador subiu o tom costumeiro e ainda citou caso recente em que um policial de folga atirou pelas costas em um rapaz negro que havia furtado produtos de limpeza de um mercado em São Paulo, no dia 3 de novembro.
Os dois casos se somam ainda à morte de um estudante de medicina desarmado por um policial militar em um hotel na zona sul da capital.
Tarcísio demonstrou irritação com o caso a auxiliares e políticos da base do governador falam sobre o risco para a imagem do governo. “A repercussão está muito ruim, a realidade é que precisa tomar cuidado, senão vai sobrar respingo paro governador”, disse um deputado da base de Tarcísio que pediu para não ser identificado.
O desgaste recai mais diretamente sobre o secretário Guilherme Derrite, cuja gestão à frente da SSP é marcada por aumento da letalidade policial e um discurso que é visto como leniente com abusos. Derrite é cotado para disputar uma vaga ao Senado, e a série de casos de violência policial, por mais que seja tolerada por uma parcela do eleitorado de direita, não o ajuda neste objetivo.
A avaliação de políticos ouvidos pelo Metrópoles é que esses episódios recentes têm potencial maior de fazer estrago na reputação do governo do que as violentas operações policiais na Baixada Santista, que resultaram em mais de 100 mortes entre julho de 2023 e maio deste ano. Segundo esses políticos, nos casos envolvendo as operações, há o apoio de parte da população pelo entendimento de que a polícia está combatendo o crime, o que não acontece no caso de violência flagrada contra pessoas desarmadas.
A ala bolsonarista que apoia Tarcísio admite que notícias como essa sempre repercutem, mas que a população não confundirá o que chamam de “casos isolados” com a atuação do governo. “Existem maçãs podres em todos os lugares. Este fato isolado não representa a postura da SSP, do governador ou do bolsonarismo em si”, disse outro parlamentar. No entanto, ele afirma ser importante haver punição severa do caso.
A grande quantidade de episódios desabonadores em relação às forças policiais, no entanto, acaba por enfraquecer o argumento de que são fatos isolados. Tarcísio usou o termo maçã podre, por exemplo, após um ex-segurança do Palácio dos Bandeirantes ser detido, no final de novembro, em uma operação da Polícia Federal (PF) que investiga fintechs ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
No mesmo mês, veio à tona o fato de que policiais militares faziam a segurança de Vinícius Gritzbach, delator do PCC que foi morto com tiros de fuzil no desembarque do Aeroporto de Guarulhos, em novembro. Além disso, policiais civis foram delatados por Gritzbach sob suspeita de corrupção.
Nessa terça, o governador defendeu a PM e disse que os envolvidos no caso do homem atirado da ponte serão punidos.
“A Polícia Militar de São Paulo é uma instituição que preza, acima de tudo, pelo seu profissionalismo na hora de proteger as pessoas. [O] policial está na rua para enfrentar o crime e para fazer com que as pessoas se sintam seguras. Aquele que atira pelas costas, aquele que chega ao absurdo de jogar uma pessoa da ponte, evidentemente não está à altura de usar essa farda”, disse Tarcísio em post nas redes sociais.
Já Derrite divulgou um vídeo no qual condena a conduta do policial que arremessou o homem da ponte na zona sul. Segundo o comunicado da pasta, Derrite determinou o afastamento imediato dos agentes envolvidos.
Na esquerda, o episódio foi explorado pelo líder da oposição na Assembleia Legislativa (Alesp), Paulo Fiorilo (PT). “Novos casos de violência envolvendo policiais e o secretário Derrite quer reduzir o problema a casos isolados de má conduta na PM. A instituição precisa de orientação do governo e o secretário de segurança precisa explicar o aumento absurdo de casos de letalidade policial”, escreveu em suas redes.
A deputada federal Sâmia Bonfim (PSol-SP) também criticou o episódio nas redes e em pronunciamento na Câmara dos Deputados. “A letalidade policial subiu 78% em São Paulo, só em 2024. Isso é reflexo da política levada a cabo por Tarcísio e Derrite, onde primeiro se atira e depois se averigua. Policiais estão autorizados a tudo e em geral saem impunes”.
Relembre outros casos
Menino Ryan
O menino Ryan da Silva Andrade, de 4 anos, foi morto no dia 5 de novembro durante uma ação policial no Morro do São Bento, em Santos, litoral paulista. A mesma criança teve o pai morto por policiais militares com tiros de fuzil na mesma região em fevereiro, durante uma ação da Operação Verão.
Caso Gritzbach
Oito policiais militares envolvidos na apuração sobre a execução do empresário Antonio Vinícius Gritzbach, 38 anos, foram afastados pela força-tarefa criada pela Secretaria da Segurança Pública (SSP). Segundo a SSP, os agentes já foram chamados pela Corregedoria da PM para prestar esclarecimentos no inquérito militar que apura o envolvimento do grupo na escolta do homem assassinado, atividade que fere o regulamento disciplinar da instituição.
No mesmo caso, em depoimento à Corregedoria da Polícia Civil, oito dias antes de ser morto Gritzbach acusou policiais civis de exigirem R$ 40 milhões para deixar de investigá-lo pela morte de integrantes do PCC, em dezembro de 2021.
Estudante de medicina
O estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, morreu após levar um tiro à queima-roupa de um policial militar durante uma abordagem dentro de um hotel na Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, na madrugada do dia 20 de novembro.
Uma câmera de segurança do estabelecimento registrou a ação. Pelas imagens (assista abaixo), é possível ver o momento em que Marco Aurélio entra correndo no hotel. Ele está sem camisa. O soldado da PM Guilherme Augusto também entra, logo em seguida, e puxa o jovem pelo braço, com a arma em punho.
Tiro pelas costas
Um vídeo mostra o jovem Gabriel Renan da Silva Soares, de 26 anos, sendo morto pelas costas por um policial militar à paisana no dia 3 de novembro. O rapaz havia via furtado quatro embalagens de sabão de um supermercado no bairro Jardim Prudência, zona sul de São Paulo.