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A “Folha” deve uma explicação aos seus leitores sobre Bolsonaro

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Espaço de opinião é para colaboradores fixos e avulsos de um veículo de comunicação, e para o próprio veículo se expressar por meio de editoriais. Os editoriais são a voz do dono, não dos jornalistas; os artigos, a voz dos seus autores,  jornalistas ou não.

Com menos frequência, o espaço de opinião também é usado por convidados especiais do dono do veículo ou dos que comandam sua redação, levando-se em conta a importância dos convidados e o que eles têm a dizer de relevante e oportuno naquele momento.

A Folha de São Paulo julgou relevante e oportuno convidar o ex- presidente Jair Bolsonaro para que escrevesse um artigo, e o publicou no último dia 10, às 20h, em sua edição digital, reproduzindo-o no dia seguinte em sua edição impressa.

Não foi um ato isolado. A ombudsman da Folha notou que, ultimamente, o jornal tem aberto generoso espaço para destacar ações de Bolsonaro e dos seus aliados. Se isso significa uma conversão ao bolsonarismo, não sei, mas a Folha tem esse direito.

Sob o título que soa irônico “Aceitem a democracia”, e o subtítulo “O povo tem escolhido a ordem, o progresso, a liberdade econômica e de expressão e o respeito às famílias e à religião”, o artigo exalta o avanço da direita no mundo e desanca a esquerda.

Alguns trechos:

“Nada consegue conter a onda conservadora. Nem a censura, nem os cancelamentos, nem o boicote econômico, nem as perseguições policiais, nem as longas, arbitrárias e injustas prisões.”

“A resistência e a resiliência da direita têm uma razão muito simples: nossas bandeiras, mesmo sob ataque do grosso dos veículos de comunicação e de seus jornalistas, expressam os sentimentos e anseios mais profundos da maioria da sociedade.”

“A moda é nos acusar de inimigos da democracia. Mas quem mostra dificuldade de aceitar a democracia é a esquerda quando a maioria do povo decide por caminhos diferentes do que ela gostaria. Basta olhar a reação da esquerda às suas derrotas.”

“Cada um que faça suas escolhas. Nós, da direita, tão injustamente acusados de “extremismo”, continuaremos perseverando no caminho que sempre defendemos, o da liberdade e da democracia, entendida como o governo do povo.”

A polêmica desatada pela publicação do artigo tem a ver com duas coisas: deve-se dar voz a um golpista, filhote da ditadura que a seu juízo  torturou e matou menos gente do que deveria, e logo para que ele defenda hipocritamente a democracia que já tentou derrubar?

Bolsonaro está inelegível, condenado por abuso de poder político  e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil.  Há fartas provas de que na iminência da derrota em 2022, ele tramou dar um golpe, e não foi a única vez que tramou.

O artigo de Bolsonaro é um exercício de pura enganação, embora ele tenha o direito de enganar a rodo. A Constituição não proíbe a mentira e assegura a liberdade de expressão por mais deletéria que ela possa ser. Nas democracias é assim, daí sua vulnerabilidade.

A segunda coisa que tem a ver com a publicação do artigo é esta: os leitores da Folha esperavam que ela refletisse sobre o conteúdo da peça escrita por Bolsonaro, seja para a criticar ou corroborar. É o que a Folha costuma fazer com assuntos de grande repercussão.

Por que o jornal desta vez preferiu calar? Por que não demoliu um por um os argumentos de Bolsonaro sem lastro na realidade? A normalização de líderes autoritários serve ao propósito dos que se beneficiam da democracia com a intenção de miná-la por dentro.

A Folha deve uma explicação aos seus leitores. Não basta abrir espaço para que a critiquem, nem acionar repórteres para que confrontem Bolsonaro com ele mesmo. Se o jornal está aos poucos se reposicionando, que o faça com transparência.

 

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