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Trânsito: mau comportamento é responsável por 65,8% dos acidentes 

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Os moradores do Distrito Federal têm subido o tom da discussão sobre os engarrafamentos e suas consequências, como a perda de tempo que poderia ser usado para o trabalho ou o lazer. Afinal, abrem-se vias e nela quase nada muda – o que sugere, além de um equívoco na aposta no transporte individual, um mau comportamento do condutor: distraído, passando a 30km/h num pardal de 60km/h, pendurado no celular ou simplesmente alheio ao tráfego até por egoísmo. Mas esse não é o grande problema. O Brasil, por exemplo, não cumpriu as metas definidas na 1ª Década de Ação pela Segurança no Trânsito durante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 2010. E as questões comportamentais, que incluem a falta de manutenção dos veículos, estão entre as principais causas de mortes apontadas no relatório Balanço da 1ª década de ação pela segurança no trânsito no Brasil e perspectivas para a 2ª década, divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O relatório traz dados tímidos para um país que tinha se proposto a avançar nas ações para reduzir a violência no trânsito. Entre os resultados apresentados dos primeiros dez anos, as questões comportamentais aparecem entre os quatro principais fatores de sinistro de trânsito no período analisado, de 2010 a 2019: falta de atenção, de motoristas e pedestres (36,6%); desobediência às regras (14,4%); excesso de velocidade (9,8%) e o uso de álcool e drogas (5%). Somando todos, 65,8% dos acidentes acontecem por causas exclusivamente comportamentais.

A quinta causa de mortes, segundo o balanço, diz respeito às condições dos veículos (4,5%). Para o diretor-executivo da Federação Nacional da Inspeção Veicular (Fenive), Daniel Bassoli, esse também é um ponto que deve ser encarado como um “fator comportamental”, uma vez que a responsabilidade de manutenção veicular é do proprietário. 

“Os defeitos mecânicos dos veículos só são constatados após as tragédias, quando é necessário fazer uma perícia, diferentemente das outras causas, que são passíveis de serem constatadas em uma fiscalização”

Daniel Bassoli, diretor-executivo da Federação Nacional da Inspeção Veicular (Fenive)

De acordo com Bassoli, se houvesse no Brasil um processo de investigação de sinistros de trânsito mais eficaz, identificando realmente as falhas mecânicas causadoras de acidentes, esse índice seria muito mais elevado, observa, principalmente considerando-se a idade média da frota de veículos no Brasil, de 10,9 anos, segundo o Sindipeças.

Bassoli ressalta que uma forma de resolver esse problema seria a partir da inspeção veicular periódica, ponto previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), no seu artigo 104. A legislação está vigente há 25 anos, porém esse é um item que até agora não foi implementado no país.

Mudança de cultura
Os técnicos de Planejamento e Pesquisa do IPEA Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho e Erivelton Pires Guedes, responsáveis pelo relatório, concordam que a cultura da manutenção precária da frota se insere no conjunto de comportamentos inadequados.

“A inspeção veicular, integrada a políticas públicas de renovação da frota, poderia ajudar tanto na segurança do trânsito quanto na economia circular do automóvel. Isto pode gerar outros benefícios socioeconômicos e ambientais, além de ser positiva em arrecadação fiscal, pois veículos mais novos geram maiores receitas”, destaca Guedes.

Erivelton Guedes enfatiza que promover a mudança de comportamento é o ponto mais desafiador para mudar a realidade do trânsito brasileiro, uma vez que depende de mudanças culturais profundas na sociedade. “É um trabalho de longo prazo e resultados tímidos. É preciso investir na educação básica e em campanhas focadas na redução dos sinistros”, comenta.

Segundo ele, para isso, é preciso realizar estudos que apontem as maiores causas destes comportamentos inadequados e a forma de atacá-los. Guedes observa que, atualmente, as políticas efetivas de proteção dos sinistros são encaradas por parte da sociedade como “restrição de liberdade” e outros conceitos nocivos à segurança do trânsito.

O especialista afirma que, ao fazer o comparativo com a década anterior, ocorreram avanços, mas ainda “muito tímidos”. O técnico salienta que as resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) vêm exigindo novas tecnologias dos veículos (airbag, ABS, entre outros acessórios), o que traz ganhos na segurança. Porém sem a manutenção adequada, tais tecnologias podem não funcionar corretamente quando forem necessárias para evitar um sinistro.

Além disso, ele reforça que o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATrans) também é uma promessa e possui um conjunto de ações visando a redução da mortalidade no trânsito. “Se adequadamente executado, pode promover avanços no setor. Entretanto, cinco anos se passaram e as ações concretas ainda são muito tímidas. Diversos atores, públicos e privados têm percebido a necessidade de reagir ao problema. No entanto, falta uma coordenação nacional”, pontua.

Resultados

Em 2010, o Brasil ocupava o 5.º lugar no ranking de com mais mortes de trânsito no mundo. O número total de mortes aumentou 13,5% em comparação com o período anterior (2000 a 2009), frustrando a meta estabelecida de redução de 50% no total das mortes. Porém, com a variação da população, a taxa de mortalidade (número de mortes/100 mil habitantes) apresentou uma pequena elevação (2,3%).

 Uma das principais mudanças verificadas a partir de 2010 está no perfil das vítimas de trânsito. Houve um grande aumento das mortes de usuários de motocicleta, redução de atropelamentos e pouca variação nas mortes de usuários de automóveis.

Pessoas que usam a moto como meio de transporte representam 30% das vítimas fatais no período de 2010 a 2019, contra 17% na década anterior (2000 a 2009).

Por outro lado, houve redução no número das mortes por atropelamento, que caíram de 28% para 19%. “O crescimento dos sinistros com motocicletas têm crescido muito nos últimos anos. Se nada for feito, tende a piorar. Além das mortes, esses sinistros deixam também um grande número de pessoas incapacitadas, de forma temporária ou permanente”, analisa o o especialista do Ipea.

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