Meu ou a minha personagem inesquecível – Dad Squarise
Brandura, elegância e moderação foram atributos que jamais lhe faltaram no trato com pessoas próximas ou que acabara de conhecer. Assim como disciplina, rigor e vontade férrea no combate a textos mal escritos. Não perdoava desrespeito à língua que adotara e amou até o último momento de sua vida.
Era assim Dad Squarisi, nascida em Chekka, no Líbano, que cursou letras na Universidade de Brasília e morreu, ontem, aos 77 anos de idade. Há mais de 30 anos no Correio Braziliense, foi editora de Opinião e colunista. Tive o privilégio de conviver com ela nos 8 anos (1994-2022) em que chefiei a redação do jornal.
No início, havia um exigente leitor que enviava cartas apontando todos os erros de português de cada edição. Ninguém dava bola para o que ele dizia – mas eu dei. O médico pensa que é Deus, o jornalista tem certeza. Tentei contratar o leitor que trabalhava de graça para o jornal; não lembro mais porque não consegui.
Então falaram-me da Dad, ex-revisora no Senado. Foi dela a última palavra em comunicados oficiais e muitas leis ali aprovadas e sancionadas mais tarde pelo presidente da República. Tive a curiosidade de conhecer a libanesa notável, bonita, capaz de ler, falar e escrever em português melhor do que todos nós.
Apaixonei-me por ela, e Dad pela chance de tornar-se jornalista. Entrou no jornal para cumprir o papel que o exigente leitor recusara. Em pouco tempo, passou à condição de revisora dos textos da primeira página e seguiu carreira. De início, a redação fez cara feia para ela. Jornalista não gosta de quem o expõe a críticas.
Depois, pelo sorriso permanente de Dad, o modo como ensinava com delicadeza a língua que tínhamos obrigação de dominar, a forma bem-humorada como o fazia, a redação passou a vê-la como uma aliada, embora incômoda. O bom humor contagiante de Dad, o gosto por contar histórias, sua falta de vaidade explícita…
Mesmo fora do Correio, às vezes tarde da noite ou de madrugada, eu costumava consultá-la sobre dúvidas que me ocorriam. Confiava mais em Dad do que nos corretores eletrônicos. Uma vez, ao ligar para ela, soube que estava internada em um hospital de São Paulo. Recém-operada, ela atendeu e sanou minha dúvida.
Dad é, de longe, meu personagem inesquecível. (Meu ou minha personagem inesquecível? Segundo o Google, o substantivo “personagem” é comum de dois gêneros, ou seja, tanto se pode usar “o personagem” quanto “a personagem” tanto para homem quanto para mulher.) Dad me ensinaria isso com mais graça.