A surpresa de Putin: como a guerra “bombou” a economia russa
Em conflito com a Ucrânia e sob severas sanções econômicas, estava tudo pronto para que o desempenho da economia russa não fosse além de um estrondoso fiasco neste ano. Como se diz, faltou, contudo, combinar com os russos.
Desde o fim do ano passado, as projeções sobre a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) do país mudaram radicalmente. Elas só fazem crescer. Passaram de 2,3% negativos, para um avanço de 1,5% (veja quadro abaixo). E há uma boa explicação para essa guinada: a máquina de guerra de Vladimir Vladimirovitch Putin está rodando a pleno vapor e carregando a economia nas costas.
Economia no ar
Os técnicos medem a atividade industrial com base na intensidade e na qualidade dos gases liberados pelas fábricas. Como cada região concentra determinados setores produtivos – as empresas de defesa e metalurgia estão na área de São Petersburgo – é possível ter uma ideia nítida da atividade nos diversos segmentos econômicos. Além disso, cada indústria tem emissões específicas, como uma digital, reconhecíveis no espaço graças à concentração de gases (fornos metalúrgicos liberam dióxido de nitrogênio).
Dessa forma, os bisbilhoteiros da QuantCube concluíram que, na Rússia, a indústria de defesa em 22 de maio estava produzindo 2% a mais do que seis meses antes. A geração de eletricidade de fontes não nucleares cresceu 3% no mesmo período e as emissões de poluentes do setor metalúrgico, depois de longa queda em 2022, avançaram 4%. O refino de petróleo e a produção de materiais de construção também aceleraram entre 2,5% e 3,5%.
Virada oriental
O cientista político Leonardo Paz Neves, do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV NPII), observa ainda que não é apenas a máquina de guerra que faz o PIB russo engordar. As sanções impostas pelo Ocidente, nota o pesquisador, têm sido contornadas por um redirecionamento sem precedentes do comércio da Rússia para parceiros asiáticos, notadamente, a China e a Índia.
O comércio total entre a China e a Rússia atingiu um novo recorde em 2022. De acordo com dados da alfândega chinesa, ele cresceu 30%, alcançando US$ 190 bilhões. Os chineses compraram ainda US$ 50,6 bilhões em petróleo bruto russo, entre março a dezembro do ano passado, num aumento de 45% em relação ao mesmo período do ano anterior.
As importações chinesas de carvão aumentaram 54%, para US$ 10 bilhões e as compras de gás natural saltaram 155%, para US$ 9,6 bilhões. Por fim, mais um dado insólito: a participação do yuan no mercado de moedas estrangeiras da Rússia, que era de menos de 1% em janeiro de 2022, saltou para 48%, em novembro.
Longo prazo
Agora, diz Neves, da FGV, a questão é de longo prazo. Ou seja, a pergunta é: até quando essa estratégia com dois caminhos momentaneamente tonificantes – as turbinas ligadas da máquina de guerra e a virada comercial para o bloco China-Índia – vai se sustentar.
Em abril, Petya Koeva Brooks, vice-diretora do departamento de pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI), disse que a Rússia havia usado todo o “espaço orçamentário que tinha para apoiar sua economia”. “Mas uma grande parte de seus gastos orçamentários é, na verdade, gasto militar”, afirmou. A previsão era que o déficit russo aumentasse em até 6,2% do PIB, em 2023.
Com isso, acrescentou o economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas, o confronto com a Ucrânia teria um forte impacto negativo nos próximos anos. “Até 2027, esperamos que a economia russa seja 7% menor do que deveria ser sem a guerra”, afirmou Gourinhas. Isso a menos que Putin prepare uma nova surpresa para o mundo.