A penitência de Lula por normalizar a entrada do Centrão no governo
Qual presidente não gostaria de governar cercado de amigos qualificados, e somente de amigos, que compartilhassem suas ideias e nunca discordassem dele? Discordar até que seria possível, mas com civilidade. Decisão tomada é decisão cumprida.
José Sarney governou o país cercado por adversários. O governo não era dele, mas de Tancredo Neves que morreu sem tomar posse. Fernando Collor governou junto com a República de Alagoas. Quando descobriu que o Congresso existia, já era tarde.
A República do Pão de Queijo chegou ao poder com Itamar Franco, mas depois de muitos experimentos, ele entregou o comando da economia para os que sabiam o que fazer com ela. O Real elegeu e reelegeu seu sucessor. Itamar elegeu-se governador de Minas.
Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer não tentaram reinventar a roda. Governaram com os partidos e contaram com maioria no Congresso. Dilma caiu porque perdeu a maioria. Bolsonaro não caiu, mas cedeu ao Congresso a parte secreta do Orçamento.
Se dependesse de Lula, a essa altura, ele não criaria nenhum ministério, nem daria nenhum dos atuais ministérios para quem não reza por sua cartilha. Mas se não criar, ou se não der, não governará relativamente em paz, se é que haverá paz.
Miguel Arraes, um dos ícones da esquerda à sua época, governador de Pernambuco deposto pelo golpe militar de 64, preso, exilado, de volta ao país nas asas da anistia, governador mais duas vezes, costumava argumentar com os que reclamavam de suas alianças:
“Seu moço, aprenda: a gente só se elege com o voto dos outros”.
Se vivo, talvez dissesse também que só se governa com o voto dos outros. Foi com o voto dos outros (PFL e partidos da direita) que Fernando Henrique se elegeu e governou por oito anos, Lula também e Dilma (seis). Bolsonaro dispensou os partidos.
Emergiram das urnas em 2022 um governo de esquerda, ou que se diz de esquerda, e um Congresso de direita com uma forte presença da extrema-direita. O presidente derrotado tentou dar um golpe, outros tentaram por ele, e ninguém ainda foi punido.
Lula apanhou muito na fase de transição porque não dava sinais de que abriria espaço no governo para representantes da centro-direita que o ajudaram a se eleger – então ele abriu. Agora, começa a apanhar por se ver forçado a abrir mais espaço.
Diz-se que não tem cabimento criar mais ministérios; que os nomes cotados para ministro não estão à altura dos demais; que haverá, no conjunto, uma perda de qualidade, e haverá, sim. Mas Lula, como qualquer presidente, pode muito, mas não tudo.
É ele que escolhe, mas não que indica. E quem indica quer ter seu desejo satisfeito, do contrário não apoia. Não é fácil pedir a quem está sentado que se levante, esvazie o gabinete de trabalho e vá embora. O amigo que sai pode virar o desafeto de amanhã.
A favor de Lula, admita-se que ele normalizou a entrada do Centrão no governo. O que antes seria tratado pela esquerda como pecado mortal, hoje poderá ser reparado com três aves marias e um pai nosso. Três, não, cinco aves marias, e dois pais nossos.